IA não é futuro dos games | Atalho preguiçoso tentando virar padrão


A indústria de games voltou a flertar com sua obsessão favorita do momento: a inteligência artificial. Em apresentações, entrevistas e vídeos cheios de buzzwords, a promessa é sempre a mesma — eficiência, inovação, o “futuro” batendo à porta. Na prática, porém, o que se vê é uma tentativa meio desesperada de normalizar algo que simplesmente não nasceu para ser padrão em um meio criativo como o videogame.

O exemplo da vez é um vídeo que circulou nas redes mostrando uma “versão reimaginada” de The Witcher 3 gerada por IA. O projeto, feito por um fã, usa modelos automatizados para transformar cenas do jogo original em algo mais próximo de um fotorrealismo genérico, daqueles que parecem saídos de banco de imagens premium. Impressiona à primeira vista, claro. Quase tudo impressiona quando vem acompanhado da palavra “IA”.

Mas basta olhar por mais de alguns segundos para perceber o problema: aquilo não é The Witcher. É uma caricatura elegante, sem intenção artística clara, sem direção, sem escolhas. Só cálculo. É bonito como um papel de parede. Vazio como um fundo de tela.

E é aí que mora o perigo. Não no experimento isolado — isso sempre existiu, de mods a filtros exagerados —, mas na tentativa de vender esse tipo de resultado como “o próximo passo natural” dos games. Não é. Nunca foi. Videogames são fruto de decisões humanas: o que mostrar, o que esconder, onde exagerar, onde conter. IA não decide nada disso. Ela replica, mistura e suaviza até tudo virar a mesma coisa.

Não por acaso, boa parte dos elogios ao vídeo segue a linha do “parece um reshade avançado”. Exato. Um filtro. Um acessório. E deveria morrer aí. Transformar isso em base de produção seria aceitar um padrão onde identidade visual vira média estatística e direção de arte é substituída por prompts.

Enquanto isso, no mundo real, The Witcher 3 segue exatamente onde sempre esteve: firme, relevante e envelhecendo melhor do que muito lançamento atual. Mods feitos por pessoas de carne e osso continuam aprimorando o jogo, como o HD Reworked Project, que já tem nova versão prometida para 2026. Sem IA salvadora. Só trabalho, tempo e cuidado.

E o futuro da franquia também passa longe desse atalho. O remake do primeiro The Witcher, em desenvolvimento pela Fool’s Theory, está sendo reconstruído com Unreal Engine 5, sim — mas com artistas, designers e diretores tomando decisões reais. Como sempre foi. Como precisa continuar sendo.

IA pode até render vídeos curiosos, thumbnails chamativas e discussões inflamadas no Twitter. Mas aceitar isso como “inevitável” é comprar uma narrativa conveniente para quem quer cortar custos e diluir autoria. No mundo dos games, isso não é progresso. É empobrecimento com verniz tecnológico.

E não, não precisa “se acostumar”. Esse futuro não é obrigatório — e definitivamente não deveria ser.

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